segunda-feira, 11 de abril de 2011

Psicanálise e Tempo


 “Globo - On Time, On Line, Full time” e “ Globo News não dorme, não desliga...”
Como é comum a cada dia que passa nos defrontarmos com esse tipo de frase. Mesmo sem precisar tê-las estampadas concretamente, o mundo de hoje em que vivemos apresenta um modelo bem delineado de tempo no qual alguém disse ser o correto. Nesse nosso momento, o afastamento do sujeito com seu eu interior é evidenciado de forma cada vez mais corrente. Ao sonharmos, entramos em contato com os nossos mais tenros e escamoteados desejos, desses que impulsionam nossos movimentos de tal forma abrupta e muitas vezes irreconhecível aos nossos olhos. Seguindo uma lógica aristotélica de bar, se não dormimos, não sonhamos, logo...
Expressões como “tempo é dinheiro” e “otimização de tempo” nunca foram tão usadas no nosso cotidiano. “Fix it”. Na maioria dos filmes americanos que vejo essa expressão está presente. Como se as situações da vida, mesmo que muitas vezes não identificadas, necessitassem ser instantaneamente consertadas de forma a aliviar rapidamente as angústias. Outro acontecimento que me chama a atenção é a quantidade de motoristas que, ao se verem parados em congestionamentos em estradas, se utilizam do acostamento para escaparem do trânsito. Sinto-lhes dizer que esse alívio mágico criado gera uma falsa e efêmera ilusão de solução dos problemas. Irremediavelmente, o fardo de ter que conviver com os tão temidos fantasmas retornam.
A cultura de hoje parece impor ao homem um tempo de transformações no qual ele se esforça, mas não consegue se adaptar.
            A psicanálise entende que cada sujeito possui um tempo próprio, singular e único para se relacionar com o mundo. Não estou querendo dizer que o espírito da época no qual estamos inseridos nada influi em cada um. Porém, como um equilibrista em sua corda bamba, é muito delicada a relação entre o que vai de mim para o mundo (eu), o que vem do mundo para mim e o que é construído a partir desse diálogo. Essa construção é dada através de uma síntese dessa dialógica conflituosa e é perpassada num tempo concreto e num tempo abstrato. Ao mesmo tempo em que essas construções são aquecidas no inconsciente na forma da busca de sentidos, dos sentimentos gerados e nos insights, não podemos esquecer a limitação do tempo concreto da sessão que gira em torno dos seus 50 minutos. Quantas vezes já senti a análise continuar mesmo depois do encerramento da sessão...
Penso que essa construção buscada no trabalho psicanalítico seja condição sine qua non ao longo de todo processo. Como se fosse a construção de um outro ente que vai além dos “dois em cena” e que sem memória e sem tempo concreto faz surgir o link entre a forma e conteúdo do encontro. Só se estabelece esse outro ente se tanto analista quanto paciente se disponibilizam para tal. Desta forma, um tempo “a parte” emergirá.
Além disso, fazer análise é parar, pairar, descansar, desligar, desplugar e por que não dormir. Como é difícil para nós hoje concebermos isso, hein? O mundo diz que quem fica parado “marcando toca” é preguiçoso, vagabundo, improdutivo. Pois bem, a análise só é permitida se os dois conseguem devanear juntos.
O mundo/cultura impõe modelos de como ser, como agir, como sentir e como lidar com as dificuldades do dia a dia. Mas, gente, essa é a função dele! É aí que reside a necessidade de cada um em tentar separar dentro de si o que é “meu desejo” e o que é “desejo do mundo”. Citando Lacan, falar de “desejo do mundo” é o mesmo que falar de “desejo do outro”.
Não existe receita de bolo para tratar de gente. Com isso podemos entender que o processo psicanalítico se faz todo de forma a posteriori, sendo impossível pensar um modelo de sujeito antes do encontro. Freud foi muito além da sua época quando preconizou uma forma de atendimento entre médico e paciente no qual se utilizava da inversão do método anamnético. Ao invés de um questionário ser apresentado ao paciente, era o paciente que trazia as questões para serem, não respondidas, mas sim refletidas, discutidas, trabalhadas.
Assim sendo, aguardo contribuições dos amigos, mesmo que demore o tempo que for.

2 comentários:

  1. "eu não tenho tempo de ter o tempo livre de ser, de nada ter que fazer..."
    gostei, voltarei mais vezes!
    bjs
    Cris

    ResponderExcluir
  2. Parabéns pelo Blog! Muito bom!
    Att,
    SBPRP
    limitesprazererealidade.blogspot.com

    ResponderExcluir